sexta-feira, 15 de junho de 2012

Qual é a diferença entre contar um conto e ler um conto? Texto de Gislayne Avelar Matos

Qual é a diferença entre contar um conto e ler um conto? Existe diferença entre uma história contada e uma história lida?

      Sim, existe diferença entre contar e ler uma história, porque também existe uma diferença entre palavra oral e palavra escrita. Quando a comunicação se dá através da palavra oral, nosso centro de percepção é o auditivo. O som nos invade por todos os lados e passa através de nós. Todo o nosso corpo é uma unidade auditiva, porque estamos no centro do campo sonoro. Ouça uma música e tente perceber como ela envolve seu corpo por inteiro e o som preenche também o ambiente a sua volta.
     As expressões do corpo, os gestos, o ritmo e a entonação de voz imprimem sentido às palavras e desvelam para o ouvinte as emoções por trás do texto.
     No caso da leitura (palavra escrita), o centro da percepção passa a ser o visual. Se o som incorpora e unifica, a visão isola, separa, é o sentido da dissecação. Quando mergulhamos numa leitura, separamo-nos do mundo. Nossa "viagem" é solitária. Se a oralidade associa-se à ideia do grupo, do coletivo, a leitura associa-se à ideia do indivíduo em sua introspecção e reflexão analítica.
     Portanto, como podemos ver, cada uma dessas linguagens tem suas próprias características, suas regras e seus códigos e exerce diferentes funções em nossa forma de compreender e nos relacionar com o mundo.
     Na narrativa oral, o que se quer é uma interação imediata com o ouvinte. A linguagem é espontânea, cria-se o texto junto com o auditório, ou seja, as reações do ouvinte são fundamentais para o desenvolvimento da narrativa.
     O conto é a arte da relação entre o contador e seu auditório. É através dessa relação que o conto vai adquirindo seus matizes, suas nuances. Contador e ouvinte recriam o mesmo conto infinitas vezes.
     Através de suas expressões de espanto, de prazer, de admiração, de indignação, os ouvintes estimulam o contador, dá-se então uma troca de energia. Isso faz com que um conto, embora possa ser contado mil vezes nunca seja o mesmo, pois os ouvintes e os momentos são diferentes.
     O ato de ouvir e o de ler exercem sobre nós funções diferentes e também acionam em nós faculdades diferentes. O ouvir e ler são experiências importantes. No caso do professor, o importante é saber que objetivos ele tem quando quer apresentar um conto a seus alunos.
     Distinção entre contador de histórias e leitor de histórias: a arte do contador envolve expressão corporal, improvisação, interpretação, interação com seus ouvintes. Ele recria o conto juntamente com seu auditório, à medida que conta. O leitor empresta sua voz ao texto. Pode utilizar recursos vocais para que a leitura se torne mais envolvente para o ouvinte, mas não recria o texto, não improvisa a partir dos estímulos do auditório.
     Embora o conto de tradição oral possa ser sempre o mesmo, ele é sempre outro, porque contador e auditório nunca são os mesmos.


Matos, Gislayne Avelar
O ofício do contador de histórias/Gislayne Avelar Matos,
2ª edição- São Paulo: Martins Fontes, 2007

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