sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os direitos da criança segundo Ruth Rocha

Toda criança do mundo
Deve ser bem protegida
Contra os rigores do tempo
Contra os rigores da vida

Tem direito a atenção
Direito de não ter medos
Direito a livros e a pão
Direito de ter brinquedos.

Criança tem que ter nome
Criança tem que ter lar
Ter saúde e não ter fome
Ter segurança e estudar

Não é questão de querer
Nem questão de concordar
Os direitos das crianças
Todos têm de respeitar.

Direito de perguntar...
Ter alguém pra responder.
A criança tem direito
De querer tudo saber.

A criança tem direito
Até de ser diferente.
E tem que ser bem aceita
Seja sadia ou doente.

Mas criança também tem
O direito de sorrir
Correr na beira do mar,
Ter lápis de colorir...

Ver uma estrela cadente,
Filme que tenha robô
Ganhar um lindo presente
Ouvir histórias do avô

Descer no escorregador,
Fazer bolhas de sabão,
Sorvete, se faz calor,
Brincar de adivinhação

Morango com chantilly,
Ver mágico de cartola,
O canto do bem-te-vi,
Bola, bola, bola, bola!

Lamber fundo de panela
Ser tratado com afeição
Ser alegre e tagarela
Poder também dizer não!

Carrinho, jogos, bonecas,
Montar um jogo de armar,
Amarelinha, petecas,
E uma corda de pular.

Um passeio de canoa,
Pão lambuzado de mel,
Ficar um pouquinho à toa...
Contar estrelas no céu...

Ficar lendo revistinha,
Um amigo inteligente,
Pipa na ponta da linha,
Um bom dum cachorro quente.

Festejar o aniversário,
Com bala, bolo, balão!
Brincar com muitos amigos,
Dar uns pulos no colchão.

Livros com  muita figura,
Fazer viagem de trem,
Um pouquinho de aventura,
Alguém para querer bem.

Festinha de São João
com fogueira e com bombinha,
Pé de moleque e rojão,
Com quadrinha e bandeirinha.

Andar debaixo da chuva,
Ouvir música e dançar.
Ver carreiro de saúva,
Sentir o cheiro do mar.

Pisar descalça no barro,
Comer frutas no pomar,
Ver casa de João-de-barro,
Noite de muito luar.

Ter tempo pra fazer nada,
Ter quem penteie os cabelos
Ficar um tempo calada...
Falar pelos cotovelos.

E quando a noite chegar,
Um bom banho, bem quentinho,
Sensação de bem-estar...
De preferência um colinho.

Uma caminha macia,
Uma canção de ninar,
Uma história bem bonita,
Então, dormir e sonhar...

Embora eu não seja rei,
Decreto, neste país,
Que toda, toda a criança
Tem direito a ser feliz!


Os direitos da criança segundo Ruth Rocha



sábado, 7 de julho de 2012

Como memorizar um conto? Gislayne Avelar Matos

     Para um contador de histórias, memorização não é sinônimo de "decoreba", que significa aprender de cor, sem assimilar.
     O grande segredo dos bons contadores está na perfeita assimilação daquilo que pretendem contar. Assimilação no sentido de apropriação. Apropriar-se de uma história é processá-la no interior de si mesmo. É deixar-se impregnar de tal forma por ela que todos os sentidos possam ser aguçados e que todo o corpo possa naturalmente comunicá-la pelos gestos, expressões faciais e corporais, entonação de voz, ritmo etc.
     Isto é possível através do processo de identificação com as situações apresentadas pela história e com seus personagens, sejam eles humanos ou não - nas fábulas, por exemplo, os animais se comportam como seres humanos para ensinar algo.
     Para se exercitar nesse processo, o contador pode se fazer algumas perguntas em relação à história que pretende contar. Isso o ajudará a compreender sua escolha por uma determinada história. É evidente que existem muitas razões para escolhermos o que queremos contar, e o fato de refletirmos sobre isso só contribui para aumentar o prazer que podemos desfrutar ao narrar uma história bem escolhida.

Perguntas possíveis:

-Em que a trajetória desse personagem se parece com a minha?
-Com suas fraquezas e sua força, esse herói se parece comigo?
-Já vivi uma situação semelhante a essa que vivem os personagens desse conto?
-A trama apresentada nessa história chama minha atenção de maneira especial?
-Essa história me intriga e me atiça a curiosidade?
-Essa história me propõe reflexões interessantes?
-Essa história me dá prazer por seu aspecto cômico?

     Recorrendo à própria história, digo à memória e analisando-se um pouco, o contador poderá perceber o quanto existe de semelhança entre as experiências que ele vem adquirindo ao longo de sua vida e a trajetória dos personagens de um conto.
     Através desse processo de identificação e de empatia com os personagens, o conto a ser narrado deixa de ser apenas interessante, engraçado ou o que quer que seja, para transformar-se também num meio de compartilhar com sabedoria, humor e sutileza as próprias experiências de vida.
     A história em questão passa a ser de alguma forma a "sua  própria história, contada à maneira do conto popular". E quem melhor que "o dono do peixe" para vendê-lo a bom preço?
     Além de compartilhar experiências, o contador também compartilha sonhos. Porém, não se compartilha aquilo que não se possue. É necessário apropriar-se também dos sonhos de um herói, torná-los os seus próprios, para só então oferecê-los aos ouvintes.

O ofício do contador de histórias  -  Gislayne Avelar Matos e Inno Sorsy

terça-feira, 3 de julho de 2012

A palavra poética dos contadores de histórias - Gislayne Avelar Matos

     Os contadores de histórias são guardiões de tesouros feitos de palavras, que ensinam a compreender o mundo e a si mesmos. Eles semeiam sonhos e esperança. São carinhosamente chamados de "gente das maravilhas" pelos árabes.
     Eles contam histórias de príncipes e gênios do mal, animais encantados e heróis que passam por difíceis provações para merecer a princesa, de velhos sábios e de bruxas, de animais que falam e agem como os humanos.
     Coisas como essas são estranhas à nossa contemporaneidade - frenética, tecnológica, barulhenta e acesa a néon - , em que a necessidade é comunicar de forma cada vez mais rápida e sofisticada e o desejo pelo novo é insaciável.
     No entanto, a velha e boa palavra dos contadores de histórias não parece obsoleta. Eles sabem disso, sabem que o mundo vai e vem. Foram as próprias histórias que lhe ensinaram. Se há épocas em que os ouvidos e os corações se fecham para o mágico e o poético, outras, entretato, encontram o homem pronto a se encantar novamente.
     Talvez estejamos vivendo mais uma dessas épocas, o que explicaria o retorno dessa "gente das maravilhas".
     Sua grande tarefa tem sido, desde sempre, preservar um tipo de conhecimento armazenado em forma de histórias, que eles contam e continuam a contar enquanto houver ouvidos prontos a escutá-los. Assim, cuidam para que o bem maior dos seres humanos, a capacidade para se humanizar, não se perca.
     Nos últimos tempos, eles conquistaram um espaço significativo na cena urbana. Mas como consequência da horizontalização da palavra oral na sociedade contemporânea, concomitantemente uma enorme confusão se formou em torno de sua prática, e muitos outros artistas da palavra vieram se confundir com eles.
     Isso se evidencia sobretudo, por ocasião dos festivais de contadores de histórias, nos quais se inscrevem também o ator que interpreta o texto literário de um autor, o artista que desenvolve  uma performance teatralizada de um conto de tradição oral, o contador de causos, o contador de piadas.
     É premente, então, primeiro delinear os contornos da "palavra" do contador de histórias para verticalizá-la, de uma maneira que possa ser reconhecida como única.
     Insistimos no termo "delinear contornos" em oposição  a formular definições, classificar ou tipificar, termos que nos remetem a uma precisão e a uma clareza que não pretendemos encontrar nessa palavra.
     O contador de histórias Michel Hindenoch pondera:
    
Nosso mundo hoje tem um problema com a crença: ele quer saber tudo. É nessa medida que a arte me parece uma alternativa `a ciência: salutar, salvadora, fecunda, indispensável à nossa felicidade de estar no mundo, inteiros... (2001: 303-4).

     Cremos justas as palavras desse contador de histórias e nelas nos respaldamos para justificar essa opção de tratar a palavra do contador com uma certa "cerimônia', depreendendo dela o que nos é possível, mas sem tirar-lhe os véus a golpe de força reducionista, em prol da clareza científica.




Matos, Gislayne Avelar
A palavra do contador de histórias: sua dimensão educativa na contemporaneidade/ Gislayne Avelar Matos.-São Paulo: Martins Fontes, 2005.
    

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Qual é a diferença entre contar um conto e ler um conto? Texto de Gislayne Avelar Matos

Qual é a diferença entre contar um conto e ler um conto? Existe diferença entre uma história contada e uma história lida?

      Sim, existe diferença entre contar e ler uma história, porque também existe uma diferença entre palavra oral e palavra escrita. Quando a comunicação se dá através da palavra oral, nosso centro de percepção é o auditivo. O som nos invade por todos os lados e passa através de nós. Todo o nosso corpo é uma unidade auditiva, porque estamos no centro do campo sonoro. Ouça uma música e tente perceber como ela envolve seu corpo por inteiro e o som preenche também o ambiente a sua volta.
     As expressões do corpo, os gestos, o ritmo e a entonação de voz imprimem sentido às palavras e desvelam para o ouvinte as emoções por trás do texto.
     No caso da leitura (palavra escrita), o centro da percepção passa a ser o visual. Se o som incorpora e unifica, a visão isola, separa, é o sentido da dissecação. Quando mergulhamos numa leitura, separamo-nos do mundo. Nossa "viagem" é solitária. Se a oralidade associa-se à ideia do grupo, do coletivo, a leitura associa-se à ideia do indivíduo em sua introspecção e reflexão analítica.
     Portanto, como podemos ver, cada uma dessas linguagens tem suas próprias características, suas regras e seus códigos e exerce diferentes funções em nossa forma de compreender e nos relacionar com o mundo.
     Na narrativa oral, o que se quer é uma interação imediata com o ouvinte. A linguagem é espontânea, cria-se o texto junto com o auditório, ou seja, as reações do ouvinte são fundamentais para o desenvolvimento da narrativa.
     O conto é a arte da relação entre o contador e seu auditório. É através dessa relação que o conto vai adquirindo seus matizes, suas nuances. Contador e ouvinte recriam o mesmo conto infinitas vezes.
     Através de suas expressões de espanto, de prazer, de admiração, de indignação, os ouvintes estimulam o contador, dá-se então uma troca de energia. Isso faz com que um conto, embora possa ser contado mil vezes nunca seja o mesmo, pois os ouvintes e os momentos são diferentes.
     O ato de ouvir e o de ler exercem sobre nós funções diferentes e também acionam em nós faculdades diferentes. O ouvir e ler são experiências importantes. No caso do professor, o importante é saber que objetivos ele tem quando quer apresentar um conto a seus alunos.
     Distinção entre contador de histórias e leitor de histórias: a arte do contador envolve expressão corporal, improvisação, interpretação, interação com seus ouvintes. Ele recria o conto juntamente com seu auditório, à medida que conta. O leitor empresta sua voz ao texto. Pode utilizar recursos vocais para que a leitura se torne mais envolvente para o ouvinte, mas não recria o texto, não improvisa a partir dos estímulos do auditório.
     Embora o conto de tradição oral possa ser sempre o mesmo, ele é sempre outro, porque contador e auditório nunca são os mesmos.


Matos, Gislayne Avelar
O ofício do contador de histórias/Gislayne Avelar Matos,
2ª edição- São Paulo: Martins Fontes, 2007

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A arte de contar histórias - Ana Cristina Penov

Quando começei a contar histórias  muitas dúvidas apareceram.  Eu  precisava  de respostas porque sabia  não só da importância de narrar histórias na infância como sentia  necessidade de "preparo" para realizar essa função da melhor maneira possível. Ao contar histórias, eu via os olhos das crianças brilhando, sonhando, formando imagens,  num momento que chamo de encantamento. Esse encantamento não estava só nelas mas estava em mim também.. Era na verdade um encontro, uma relação especial, de afeto.  Durante a narração, cada expressão de prazer, de indignação, de alegria, de espanto  delas aumentava mais e mais minha vontade de continuar. 
 Isso me lembra Giuliano Tierno, quando diz no livro A Arte de Contar Histórias - abordagens poética, literária e performática:

O Contador de Histórias é aquele que cultiva a atenção e a delicadeza, que percebe seu corpo no espaço e o corpo do outro suspendendo o automatismo da ação. Mantém sempre abertos os olhos e os ouvidos.
O Contador de Histórias é aquele que fala sobre o que lhe acontece. Sabe que para cultivar a arte do encontro é preciso, além de calar muito e ter paciência, escutar aos outros.
A narrativa de uma história, portanto, pressupõe a criação de uma relação de encontro. Encontro definido aqui como espaço metafórico em que narrador e ouvinte habitam ao mesmo tempo. Não é o lugar do narrador, não é o lugar do ouvinte. É um terceiro lugar, um lugar ainda vazio, que será habitado pela primeira vez, por ambos, no instante presente da história narrada.

E lembra também um texto, lindo e tocante do Jorge Larrosa Bondia apresentado no curso de Pós, também por Giuliano Tierno:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar, demorar-se aos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.(LARROSA, 2003).

Espero que os textos de hoje façam para todos um momento de reflexão sobre a arte da narrativa oral.
Abraço.
                                         Ana \Cristina

domingo, 27 de maio de 2012

A arte de contar histórias

 A arte de contar histórias é milenar. Apesar de perder sua força após a invenção da imprensa, é indiscutível sua importância como maneira de transmitir saberes. As histórias são patrimônio da humanidade e  sua narrativa, pode-se dizer, coincide com o próprio desenvolvimento da linguagem oral  adquirindo, a partir de então, especificidades de acordo com a cultura e momento histórico.
Acredito que hoje, mais do que nunca, as crianças, as pessoas precisam ouvir histórias e experimentar sensações, emoções que elas despertam.
Minha proposta no momento é justamente colocar textos interessantes, de autores que pesquisam e atuam na área da narrativa oral ou contação de histórias, como muitos dizem. A intençao é dividir  com todos as leituras que faço, textos que leio e tudo o que aprendo no curso de Pós-Graduação Lato Sensu A Arte de Contar Histórias, lugar que me aprimora cada vez mais, me encanta sempre e me ensina, a cada aula, a encantar pessoas narrando histórias.
Espero poder contar com todos em minhas reflexões formando assim um belo grupo de contadores e ouvintes de histórias.
                                                        Ana Cristina Penov

sábado, 26 de maio de 2012

Os alunos - Eduardo Galeano

Se a professora pergunta o que elas querem ser quando crescerem, elas se calam. E depois, falando baixinho, confessam : ser mais branca, cantar na televisão, dormir até meio-dia, casar com alguém que não me bata, casar com quem tenha automóvel, ir para longe e que nunca me encontrem.
E eles dizem: ser mais branco, ser campeão mundial de futebol, ser o Homem-Aranha e caminhar pelas paredes, assaltar um banco e não trabalhar nunca mais, comprar um restaurante e comer sempre, ir para longe e que nunca me encontrem.
Não vivem a grande distância da cidade de Tucumán, mas não a conhecem nem de vista. Vão para a escola, a pé ou a cavalo dia sim, dias não, porque fazem rodízio com os irmãos  no uso do único avental e no único par de alpargatas. E o que mais perguntam para a professora é: quando chega o almoço?


Galeano, Eduardo, 1940-
Bocas do tempo/Eduardo Galeano.- Porto Alegre: L&PM, 2004.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O guarda-chuva verde - Yun Dong-jae

Segunda-feira, manhã de chuva torrencial.
No caminho para a escola, Young-i vê...
...um velho mendigo dormindo sentado na calçada, debaixo da chuva, encostado no muro de cimento. Ao lado uma lata amassada também dorme...cheia de água da chuva, que transborda copiosamente.
Crianças levadas passam mexendo com ele.
Entre uma venda e outra, a mulher da papelaria põe-se para fora e resmunga: -Esse velho louco azarento! Encostado aí, bem no nosso muro, desde cedo.
-Esse velho, esse velho! Por que não some logo?
No intervalo do almoço, Young-i espia pelo portão da escola. O velho mendigo ainda dorme debaixo da chuva. Young-i olha para os lados,com medo de que alguém a veja. E corre para escorar delicadamente o guarda-chuva verde de plástico sobre a cabeça do velhinho.
Ao sair da escola, Young-i olha para o muro. O velho mendigo não está mais ali, nem a lata amassada. De pé está somente o guarda-chuva verde de plástico que ela deixou para ele.
Young-i olha o céu limpo e claro e balbucia: - Não faria mal se ele o levasse...


Dong-jae, Yun
O guarda-chuva verde / Yun Dong-jae. São Paulo: Comboio de Corda, 2010.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O carrossel - Jardim de Luxemburgo - Rainer Maria Rilke

Gira por mais um momento o conjunto -
seu teto, a sombra, as cores e os cavalos,
como se fossem todos de outro mundo
que imerge e ainda hesita em abandoná-los.
Alguns vão atrelados e entretanto
bravura todos levam na expressão;
com eles, rubro e fero, um leão;
e vez em quando um elefante branco.

E salta um cervo lá, quase selvagem,
não fosse pela cela e a menininha
azul que nele faz sua viagem.

E monta alí um menino e com mão quente
e pálida, segura-se ao leão
que ruge e mostra bem a língua e os dentes.
E vez em quando um elefante branco.

E nos cavalos todos vão passando,
e até meninas, para tais passeios
já quase crescidas: levantam em meio
ao salto o olhar pra lá, pra cá, vagando.

E vez em quando um elefante branco.

E tudo segue e corre sem que adiante,
e gira e roda sem nenhum destino,
verde, vermelho, gris passam avante
e o esboço inicial de algum menino.
E ás vezes um sorriso, deslumbrante,
dirige-se feliz, num desatino,
ao jogo sério e cego e ofegante...


Rilke, Rainer Maria, 1875-1926.
O carrossel/ Rainer Maria Rilke;
trad. Juliana P Perez. - 1ª.ed.- São Paulo: Berlendis& Vertecchia, 2010.

Flictz - Ziraldo

Era uma vez uma cor muito rara  e muito triste que se chamava Flicts. Não tinha a força do vermelho, não tinha a imensa luz do amarelo, nem a paz que tem o azul, Era apenas o frágil e feio e aflito Flicts.
Tudo no mundo tem cor
Tudo no mundo é
Azul
Cor-de-rosa
ou Furta-cor
é Vermelho ou
Amarelo
quase tudo tem seu tom
Roxo
Violeta ou Lilás
Mas
não existe no mundo
nada que seja Flicts
- nem a sua solidão -
Flicts nunca teve par
nunca teve um lugarzinho
num espaço bicolor
(e tricolor muito menos
- pois três sempre foi demais)
Não
Não existe no mundo
nada que seja Flicts
NADA QUE SEJA FLICTS
Na escola a caixa de lápis
cheia de lápis de cor
de colorir paisagem
casinha e cerca e telhado
árvore e ciranda e fita
Quando volta
a primavera
e o parque todo e
o jardim
se cobrem
de cores
Nem uma cor
ou
ninguém
quer
brincar
com o
pobre Flicts
Um dia ele viu no céu
depois da chuva Cinzenta
a turma toda feliz
saindo para o recreio
e se chegou para brincar:
"Deixa eu ficar na berlinda?
Deixa eu ser o cabra-cega?
Deixa eu ser o cavalinho?
Deixa que eu fique no pique?"
Mas ninguém olhou pra ele
só disseram frases curtas
cada um por sua vez:
"Sete é um número tão bonito" disse o Vermelho vermelho
"Não tem lugar pra você" disse o Laranja
"Vai procurar um espelho" disse o Amarelo
"Somos uma grande família" disse o Verde
"Temos um nome a zelar" disse o Azul
"Não quebre uma tradição" disse o Azul- anil
"Por favor não vá querer quebrar a ordem natural das coisas" disse violento o Violeta
E as sete cores se deram as mãos e à roda voltaram e voltaram a girar
a girar girar girar   a girar girar girar
e mais uma vez deixaram
o frágil e feio e aflito
Flicts
na sua branca
solidão
Mas Flicts não se emendava (e por que se emendar?)
não era bom ser tão só
e um dia foi procurar
um trabalho pra fazer
a salvação no trabalho:
"Será que eu não posso ter um cantinho
ou uma faixa em escudo
ou em brasão
em bandeira ou estardarte?"
Não há vagas" falou o Azul
"Não há vagas" sussurrou o Branco
"Não há vagas" berrou o Vermelho
Mas existem mil bandeiras
trabalho pra tanta cor
e Flicts correu o mundo
em busca do seu lugar
e Flicts correu o mundo:
pelos ´países mais bonitos
pelas terras mais distantes
pelas terras mais antigas
pelos países mais jovens
Mas nem mesmo as terras mais jovens
as bandeiras mais novas
e s bandeiras todas
que ainda vão ser criadas
se lembraram de Flicts
ou pensaram em Flicts para ser sua cor
não tinham para ele uma estrela
uma faixa
uma inscrição
Nada no mundo é Flicts
ou pelo menos quer ser
O céu
por exemplo
é Azul
é todo do Azul o mar
"Mas quem sabe o mar quem sabe?"
pensa Flicts agitado
"O mar é tão inconstante"
"É Cinzento se o dia é Cinzento
como um imenso lago de chumbo"
"E muda com o Sol ou a chuva
Negro
Salgado
Vermelho
O mar é tão inconstante
tem tantas cores o mar
Mas para o pobre Flicts
suas cores não dão lugar
E o pobre Flicts
procura alguém para ser seu par
um companheiro
um amigo
um irmão
complementar em cada praça e jardim
em cada rua e esquina:
"Eu posso ser seu amigo?"
"Não" avisa o Vermelho
"Espera" o Amarelo diz
"Vai embora" lhe manda o Verde
e mais uma vez sozinho o pobre Flicts se vai
UM DIA FLICTS PAROU
e parou de procurar
Olhou para longe
bem longe e foi subindo
subindo
E foi ficando tão longe
e foi subindo e sumindo
e foi sumindo
e sumindo
sumiu
Sumiu que o olhar mais agudo
não podia adivinhar para onde tinha ido
para onde tinha fugido
em que lugar se escondera
o frágil e feio e aflito
Flicts
E hoje com o dia claro
mesmo com o sol muito alto
quando a lua vem de dia
brigar com o brilho do sol
a Lua é Azul
Quando a Lua aparece - nos fins das tardes de outono -
do outro lado do mar
como uma bola de fogo
ela é redonda e Vermelha
E nas noites muito claras
quando a noite é toda dela
a Lua é prata e ouro
enorme bola Amarela
MAS NINGUÉM SABE A VERDADE (a não ser os astronautas)
que de perto
de pertinho
a Lua é Flicts


Quando Neil Armstrong - o primeiro homem que pisou na Lua - veio ao Rio de Janeiro, contei-lhe a história de Flicts e ele me confirmou que a Lua era, realmente, Flicts. (Ziraldo)


Ziraldo
Flicts/Ziraldo; ilustrações do autor.- São Paulo: Editora Melhoramentos, 2005 - (Mundo Colorido)

O casaco de Pupa - Elena Ferrándiz

Toda a manhã a menina metia-´se no casaco de medos que usava desde pequenina e que foi crescendo com ela. E sáia pelas ruas, coberta de MEDOS.
Medo da             solidão.
Medo que não a queiram.
Medo que a queiram.
Medo de voar.
Medo de afogar-se.
Medo de sentir-se perdida.
Medo que tudo mude.
Medo que tudo continue igual igual igual .
Medo do futuro.
Medo de repetir o passado
Medo de não AVANÇAR.
Medo de dar um passo.
Medo dos outros.
Medo dela mesma.
O casaco ficou pesado demais e ela já não conseguia ir a lugar nenhum. Então, encheu-se de coragem e resolveu livrar-se dele!
E voou.


Aquilo que a lagarta chama de fim do mundo, o resto do mundo chama de borboleta. ( Lao Tse)


Ferrándiz, Elena
A casaco de Pupa/Elena Ferrándiz; trad.Maria Krusero.- São Paulo: Frase e Efeito,2011.

Retomada do Blog Escrever é prolongar o tempo- Educação

Hoje, 24 de maio de 2012, retomo meu blog Educação.